O homem-antídoto

“Meu pensamento me abandona em todos os níveis. Do simples fato do pensamento até o fato exterior de sua materialização nas palavras.”[i]

As palavras de Artaud ressoam dentro de nossas caixas torácicas como se nascessem de nossas próprias entranhas. O poeta desacreditado não poderia ter imaginado a atualidade de seus versos no mundo de hoje. Ou talvez sim, tão certo sempre esteve da necessidade de se criar um pensamento outro – para ele, um pensamento do corpo. Pois é no corpo de hoje que as suas palavras reagem, irrompendo em grandes escoriações, erupções anormais espalhadas pela pele, justamente o limite entre o corpo de fora e o corpo de dentro, entre o inorgânico e o orgânico. É essa capa sensível – às dores, aos choques, aos traumas –, é esse tecido que nos envolve e protege que hoje é consumido por uma grande inflamação, talvez a mesma que tenha levado Artaud ao esgarçamento voluntário da própria pele. Nesse estado de afogueamento, sentimos também que nosso próprio pensamento nos deserta, deixando-nos à mercê de um sistema esterilizante e triturador, que nos furta a fala de maneira ardilosa, calando-nos. Artaud foi exemplo vivo desse procedimento[ii]. Era subproduto do projeto de humanidade europeu, a escória, a sobra da criação do ideal do homem branco, ideal refletido à sua própria imagem, mas ao qual mesmo assim não se subjugou. A voz de Artaud – aguda, estridente, desconfortável – foi sistematicamente abafada, mas ela se fez escutar e ainda ecoa na contemporaneidade, pois denuncia, desde que foi entoada em suas cartas com Jacques Rivière, um jogo de forças que coloca todos nós em constante xeque. Artaud esteve sempre em risco, sempre sobre uma linha tênue entre a razão e a irracionalidade, no limite da “loucura”, único lugar onde podia viver as experiências necessárias para criar um pensamento para o corpo, uma nova linguagem da carne. Essa sua voz destoante, quando manifestada pelos ares de Dublin em 1937, por fim selou seu destino como “caso clínico” dentro do sistema médico-legal, deslocando-o à força para fora do entre-lugar sanidade/loucura e o sentenciando, oficialmente, à condição de indivíduo anômalo, pertencente ao asilo psiquiátrico, onde passou confinado grande parte de sua vida. A potência de Artaud era uma ameaça à matriz do pensamento ocidental: sua experimentação com o corpo não se subordinava à supremacia hierárquica da mente, sua procura por zonas de contágio com o povo Tarahumara infectava os processos de assepsia generalizada na modernidade, seu testemunho acerca da experiência da magia fugia à lógica do pensamento cartesiano. Artaud era o agente patógeno subversor da ordem estabelecida, o próprio diagnóstico de seu tempo, um sintoma que evidenciava o mal do século (o triunfo máximo e subsequente derrocada do projeto de homem branco europeu durante a primeira metade do séc. XX).

A radicalidade da obra de Artaud está na dedicação da sua vida ao seu trabalho e vice-versa: toda sua existência serviu ao propósito de se imaginar uma outra forma de pensamento. É à essa alternativa além do horizonte de expectativas no mundo contemporâneo que dedicamos nossa leitura de Artaud, cada dia mais importante. A atualização dos seus escritos está situada hoje por novos movimentos desorganizadores da “ordem”, insurgências que abordam questões – principalmente de identidade – há muito tempo silenciadas no Brasil. O silêncio daqueles na posição de subalternos, imposto como condição para sua coabitação com as formas de vida hegemônicas, começa a ser quebrado. Os dispositivos de controle por violência, perpetrados desde nossa colonização até hoje, são cada vez mais deflagrados. Saberes alternativos e outras formas de vida emergem com uma potência capaz de interrogar os saberes e formas tradicionais. Torna-se mais e mais evidente a lógica do capitalismo cruel de viés neocolonial instaurado neste país à qual ainda tantos são submetidos pelo benefício daqueles no poder. Essa movimentação do corpo político é inédita no Brasil[iii]. Nossa fundação cultural apoia-se principalmente no mito antropofágico, ou seja, na digestão de elementos culturais estrangeiros (em sua grande maioria, europeus) para a formação de uma identidade própria. Essa tradição é fruto de um processo de colonização muito bem-sucedido, cujas evidências permaneceram ocultas por longo tempo entre nós sem que nos ocupássemos em saber do que era feita a argamassa dos pilares do estado de natureza social brasileiro. No contemporâneo, esse carácter neocolonial das formas sociais que ditam nossas vidas começa a ser revelado, mas nossa herança canibal persiste em forjar um senso de unidade cultural por meio da assimilação de outras culturas, resultado de uma relação de proximidade muito grande com o agressor. O Brasil nunca parou para se pensar. Em um cenário global de desesperança e polarização, onde poucos povos podem apoiar-se em uma ideia firme de comunidade, ficamos à mercê da nossa ignorância. O fim da narrativa na modernidade[iv] – a incomunicabilidade da experiência e subsequente impossibilidade de construção de uma tradição comum – nos rende completamente sós, cada um por si em um mundo constantemente irreconhecível e inexplicável (BENJAMIN, 1985b). Essa falta de uma ligação com o passado, ainda mais perversa no Brasil, impossibilita qualquer sentimento de pertencimento, tornando-nos dependentes apenas de nós mesmos em um mundo cada vez mais individualista e, portanto, competitivo – ideais que cumprem muito eficientemente a agenda do capital. Os novos movimentos de natureza fascista no país surgem justamente como resposta a esse estado de desamparo generalizado, uma solução que supre, artificialmente, essa deficiência, atraindo indivíduos solitários com um discurso de forte cunho comunitário e identitário.

Essa sucumbência a alternativas violentas já estava prevista. Havíamos sido alertados sobre o perigo da ausência de uma “válvula de escape”, da importância clínica da experimentação controlada de um estado de desregramento, uma pequena violência constitutiva[v] em prevenção a uma violência maior (MAFFESOLI, 2004). Essa não seria apenas uma prática purgatória – pois neste sentido estaríamos somente perpetrando a eliminação higienista das “impurezas” –, mas sim um exercício de contato com as faces mais subversivas da vida, uma exploração dionisíaca pelos espaços “grotescos” da nossa existência. Tal acesso habitual aos conteúdos mais “indecentes” da experiência humana como ato libertador não é algo novo: estava presente no nonsense da narração da viagem de Alice pelo “submundo” de Lewis Carroll, nas peripécias escatológicas de Gargântua e Pantagruel nos escritos do renascentista Rabelais, nas terríveis histórias sobre esquartejamentos, canibalismos e estupros nos macabros contos de fada tão abundantes na matriz do pensamento medieval. São essas manifestações literárias que nos possibilitam uma maior comunicação com os componentes primitivos da nossa psique, aqueles já tão processados pela máquina que censura e controla os seus conteúdos mais “assustadores”, que subtrai a indelével imagem da avó e sua neta sendo devoradas por um lobo sagaz ao resgate do lenhador, ou ainda que diminui a dolorosa rivalidade fraternal de Borralheira à uma insípida história sobre um desencontro amoroso. As versões originais de Perrault e dos Irmãos Grimm intentam, na realidade, um ensinamento, uma contribuição à edificação da moral, uma forma de terapêutica espiritual que é passada oralmente de geração para geração. Tão essencial, portanto, a exposição à essas narrativas durante o período da infância, único momento na trajetória da vida em que há uma aceitação quase instintiva da duplicidade, da inversão, da metamorfose, da fantasia. É essa receptividade do “outro” como solo fértil para a formação humana que é tragicamente desperdiçada quando colocamos as crianças em um lugar de desprestígio no contexto social, privando-as dos elementos negativos da vida – a dor, a perda, o fracasso – e condenando-as (e a nós mesmos como espécie) à inevitável decepção.

Todos carregamos, entretanto, um resquício dessa capacidade inata, o vestígio de nossas vozes infantis, ingênuas, puras, livres, que merecem e precisam ser entoadas na contemporaneidade. A importância de Artaud para o presente é sua capacidade de evocar essas vozes deflagradoras, mesmo que sua propagação seja cada vez mais penosa. Ainda não há, efetivamente, uma mudança epistemológica em nossa construção social, mas o momento de esgotamento geral demanda o grito. O clamor que começa a se espalhar pelos ares é a súplica que há muito vem guardada dentro do peito ofegante. É o berro que transgride à extirpação generalizada dos elementos “menores” e, portanto, não condizentes com a estrutura dominante. É difícil se encontrar espaço para o grotesco, o estranho, o inferior ou o mágico na lógica binária do capital que comanda o mundo da maneira mais rentável possível. Mas a resiliência do poeta francês serve de inspiração para que sigamos tentando – nos colocando em zonas de disponibilidade a acontecimentos que nos reaproximem de um estado mais primordial da existência, que possibilitem atravessamentos que perfurem nossos corpos docilizados, que nos remetam às origens selvagens de nossas vidas domesticadas. Talvez tomando o exemplo de Artaud como essa possível “homeopatia do mal”[vi], como esse grande produtor de anticorpos, encontremos formas de estabelecer novas relações com as estruturas de poder vigente. No fim, é o bramido catártico de Antonin que retumba sobre todos os outros, renovando-nos as esperanças em meio ao desconhecido:

“O que é grave
É sabermos
que atrás da ordem deste mundo
existe uma outra
Que outra?
Não o sabemos.
O número e a ordem de suposições possíveis neste campo
é precisamente
o infinito!”[vii]

-2016

Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Trad.: Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. 188p.

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. Trad.: Sergio Paulo Rouanet. 3a ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985a. p. 114-119.

______. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. Trad.: Sergio Paulo Rouanet. 3a ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985b. p. 197-221.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Trad.: Arlene Caetano. 16a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad.: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997. 176p.

KIFFER, Ana. Antonin Artaud. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2016. 266p.

MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo. Trad.: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2004. 162p.

Notas

[i] ARTAUD, Antonin. Oeuvres complètes I. Paris: Gillimard, 1994. [pp. 24-5]
[ii] Tomo como ponto de referência para minha discussão de Artaud os ensinamentos da professora Ana Kiffer em seu curso Os limites do literário, ministrado na PUC/RJ em 2017.1.
[iii] Faço aqui referência à aula do professor Alexandre Mountaury acerca do corpo político no Brasil, ministrada em 25/05/17 como parte dos seminários do curso Os limites do literário, ministrado pela professora Ana Kiffer na PUC/RJ em 2017.1.
[iv] Baseio-me, para a discussão sobre o fim da narrativa e do senso de comunidade na modernidade, nas aulas do curso Estratégias de leitura, ministrado pela professora Mariana Patrício na PUC/RJ em 2017.1.
[v] Adoto, como ponto de partida para a discussão acerca da importância de tais “estados de desregramentos”, o curso A atualidade dos clássicos, da professora Flávia Vieira, ministrado na PUC/RJ em 2017.1.
[vi] Conceito utilizado pela professora Flavia Vieira durante o curso A atualidade dos clássicos, ministrado em 2017.1 na PUC/RJ.
[vii] Texto-poesias retirados de uma transmissão radiofônica intitulada “Para acabar com o julgamento de deus”, realizada por Artaud (como autor e narrador) e por alguns de seus amigos (Roger Blin, Marie Casarès e Paule Thévenin), que além de narrarem o ajudaram na produção dos efeitos sonoros durante a transmissão.

continue e não desista

vista rio de janeiro nascer do sol

Cartões de embarque em mãos, “continue e não desista”, pensei. Da pequena janela ao lado da qual me sentei vi todo o meu universo diminuir de tamanho. Os cenários de todas as minhas memórias, minhas conquistas e derrotas, meus primeiros e últimos amores, todos os meus melhores e piores dias. Tudo agora ia se distanciando em uma maquete viva, um monte de terra, uma geografia irreconhecível. Eu parti, deixei tudo para trás, e nunca mais seria o mesmo.

gabrielabreu

-2016

fragância

fragância de amor preso em um armário vazio sem roupas

Abri o armário e senti teu cheiro,
Mas tuas roupas não estavam mais ali.
Os cabides pendurados estavam nus,
Viraram esqueletos da memória daquelas peças
Que tocaram tua pele como eu,
Que cobriram o teu corpo como eu,
Que te esquentaram.

Agora é um ar vazio que preenche aquele
Espaço escuro.
O teu cheiro, porém, perdura.
Aquela mistura do teu perfume
Com o aroma da tua tez
Que só se achava no teu cangote
E que só se acha naquele armário.
A tua fragrância.

-2017

s.t. (aforismo de Kafka)

Ela deita a cabeça no meu peito, seu rosto sobe e desce com a minha respiração, seus olhos expiram e minha camisa fica molhada em lágrimas mornas. Ficamos mergulhados nesta cama melancólica, seu corpo paralelo ao meu e ninguém fala nada. Aos poucos, vamos digerindo tudo que foi dito. Ou talvez seja um esforço mudo para que nada mais seja declarado. Essas tardes caladas são cada vez mais frequentes. Com um resto de fôlego ainda conseguimos reivindicar nossos corações em busca de compaixão, tomando aquele mesmo caminho de sempre, um tentando persuadir o outro a amar da própria forma. Logo desistimos. Logo não se valem mais os berros, logo é mais fácil calar, logo não dá mais para continuar assim. Um choro de alívio, um suspiro rendido, retomamos mais tarde… Como uma trilha no outono: mal foi varrida, cobre-se outra vez de folhas secas*. Por enquanto o amor está quite.

*Aforismos Reunidos, Franz Kafka (Serrote, 2009)

-2016

Enciclopédia de Talheres

Os talheres são objetos criados com o intuito de auxiliar o ato da alimentação humana. Consistem em longas ferramentas compostas, em uma de suas extremidades, por um cabo, onde se dá o seu manuseio, e, na outra, variando de talher para talher, de diferentes formatos de metal, onde se dá a sua utilidade, tendo como intuito comum o de levar bocados de comida à boca. Os feitios das extremidades úteis de cada um desses objetos similares diferenciam-se da seguinte maneira:

1. A faca

Extremidade que corta. Consiste geralmente em uma lâmina de metal que, em um de seus lados, afina-se cada vez mais até formar um gume, cujo fio executa a incisão. Interrompe assim uma ligação, como as fibras de um pedaço de carne de vaca, a trilha das sementes de um pepino, ou o trançado de um croissant de chocolate. Por vezes, tem dentes que serram alimentos mais difíceis de serem divididos em uma única moção, como um pão francês, o qual talha-se mais eficientemente por um vai e vem da lâmina dentada. Existem ainda os tipos de faca que não cortam, aquelas desgastadas, porém nunca descartadas da coleção do refeitório da empresa onde se trabalha. Essas são geralmente utilizadas com o principal intuito de empurrar as últimas porções do almoço para cima do garfo. São também as facas mais seguras de se lamber, já que, uma vez carecas, não oferecem perigo nenhum à língua que busca os restos de uma fatia de torta ou de uma pasta de amendoim.

2. A colher

Extremidade que colhe. Consiste em um metal em formato de concha, usado principalmente no apanhamento de líquidos comestíveis, como sopas e cremes. É recomendável que seja inserida por inteiro dentro da cavidade bucal durante a ingestão de seus conteúdos. É importante não sugar o líquido da colher e evitar que os dentes batam no metal, pois entende-se no Ocidente que é descortês causar barulhos durante a refeição. A colher pode ainda ser introduzida na boca em posição invertida, de costas para cima, no caso de alimentos mais viscosos, que grudam, como o brigadeiro de panela, ou o doce de leite. Dessa forma, a superfície da língua preenche mais inteiramente a concavidade da colher, maximizando assim a satisfação daquele que come.

3. O garfo

Extremidade que espeta. Consiste em um metal de três a quatro dentes alinhados, levemente curvados, que segue ora o mesmo método de apanhamento de alimento da colher, ora seu próprio processo de cravação de seus espetos no alimento. Não se recomenda a estratégia de fincar no caso dos alimentos dificilmente trespassados, geralmente aqueles de formato redondo, como ervilhas, ovos de codorna e cebolinhas em conserva. Diferentes dos da faca de serra, os dentes do garfo são longos e pontudos, como no cedro de Netuno, e podem assumir também o papel da faca, sendo possível usar sua lateral para cortar o alimento quando se há preguiça de usar as duas mãos aos mesmo tempo. Por esse motivo, o garfo é o talher mais versátil. É passível, no entanto, de ter seus dentes entortados e desviados em diferentes direções, o que o inutilizaria. Nesse caso, entretanto, basta introduzir-se uma faca por entre os dois dentes em cada um dos lados daquele empenado e força-lo de volta à posição correta.

-2016

O jogo de tênis

Dois tenistas em lados opostos de um campo de batalha. Joelhos flexionados e antebraços atentos, posição de ataque com espadas em punho. Na eminência do golpe, aguardam pacientemente em silêncio, até desferirem a pancada fatal contra o seu adversário. Trovão gutural. Deixam pairar sobre o ar pequenos fiapos fluorescentes da bola, que agora perfura penosamente o espaço pesado e opaco entre eles feito de luta, calor e suor evaporado. Choque. A cada disparo e guinada de pés, mais saibro no ar, se alastrando feito fogo, criando uma neblina incandescente sobre a quadra, a arena em chamas, tingindo toda a atmosfera e a pele dos soldados de um rubro sangue. Guerra. O combate lhes escorre pelo rosto, a respiração é ofegante, o público delira. Circenses. Entre ações e reações, sofrem-se pequenas derrotas, alcançam-se pequenas vitórias, e a resolução de ambos se mantém inabalável. Corpo a corpo, buscando redenção e glória. Seu esforço é heroico, sua faina é intensa, é um jogo violento, um duelo mortal. São gladiadores.

-2016

imagem:linguagem:memória

1

Ter um balde de água gelada jogado sobre nossas cabeças talvez seja a única sensação que consiga nos remeter às emoções explosivas da infância. A imagem do líquido glacial cobrindo a pele morna num arrepio quase nevrálgico dá vontade de gritar, pular, correr, jogar as mãos aos céus! Ou ainda, como para as criaturinhas da foto acima, de sorrir. E em seus sorrisos incontroláveis, de bater o queixo, eu também não consigo não sorrir. Sou sempre tomado pela ideia de que talvez esse tenha sido um daqueles melhores momentos da vida que passam despercebidos. Ter a foto é uma sorte, sorte de ter registrado para sempre um instante de total descompromisso. A câmera ainda capta o olhar de um dos meninos, mas ambos mal prestam atenção ao fotógrafo. Apenas aguardam, de potinhos em punhos, por mais água! Fora a sua festa, são alheios a tudo.

Mal se dão conta da anciã, fonte de seu júbilo. Pouco percebem que ela esparsa o jorro que cai da jarra de plástico para proteger seus corpinhos num afeto tão sútil que só de avó. Não observam o seu próprio regozijo, estampado em um sorriso escondido atrás da brincadeira. Reparam menos ainda na existência da senhora de pernas serenamente cruzadas ou nas duas silhuetas que aparecem ao fundo, dois homens servindo-se em silêncio do espeto de carne disposto no meio da mesa entre eles. O contraste entre a alegria dos meninos em primeiro plano e a taciturnidade dos homens ao fundo é para mim a própria essência da fotografia, figurando a perda da inocência durante a vida. Como as crianças, os dois senhores passam a tarde de torsos nus, mas esses não são mais leves e radiantes, porém curvados e sombrios. Nenhum dos dois sorri mais, apenas mastigam a carne fibrosa do churrasco em meio à escuridão. Ainda noto aquele mais à direita mirando de muito, muito longe a felicidade dos miúdos em uma nostalgia quase amarga. São o exato oposto das criaturinhas e, ainda assim, o seu futuro.

Apesar da realização trágica, os sorrisos infantis triunfam e ficam gravados na memória. Só então me lembro de que a fotografia foi tirada durante uma tarde de verão indistinta na cidadezinha de Passo Fundo, um local de nome aqui apropriadamente remoto. Dou-me conta de que a representação da felicidade na imagem, que agora é uma preciosidade, é curiosamente resultado dos dias passados à toa, de calção de banho e descalços sobre um pátio de pedras molhado.

E então sorrio de novo.

-2016

Os Filhos de Sandra

A única outra vez que ele tinha ido à Guapimirim havia sido na ocasião de um outro enterro, do marido de Sandra. Ele não devia ter mais de sete anos na época, mas uma imagem daquele dia perdurara e rastejava agora insistentemente para dentro de sua cabeça – o caixão, o primeiro de sua vida, mirado de longe pelo para-brisa molhado, as gotas escorrendo devagar e distorcendo as silhuetas das poucas pessoas presentes no cemitério. Seus pais haviam ficado dentro do carro com ele, apenas observando, dois espectadores alheios ao horror daquele dia que afligia aquelas poucas pessoas curvadas na chuva. Era fácil distinguir Sandra dos outros naquele pequeno grupo, mais ainda por ser ela quem todos consolavam. Já então ele tinha a impressão de ter ouvido seus pais falando que o marido dela bebia muito, que batia nela e nos filhos e que acabaria matando a si mesmo. Mas talvez tivesse imaginado isso, ou se de fato tivesse ouvido, não prestara atenção. André ainda não tinha posse do sentido da barbaridade, nem nunca viria a ter como quem recebia, do outro lado, a fivela. Sabia, no entanto, que Sandra sofrera pelas mãos vivas do marido e sofria agora por seu corpo morto, e então seu pequeno coração solidarizava-se. “Isso é assunto de família, André”, sua mãe justificava a negativa quando ele pedia para sair do carro. Haviam dirigido da Barra da Tijuca até o pé da serra para levar Sandra até sua casa assim que ela teve a notícia de que seu marido havia sofrido um ataque do coração. O pai de André havia se oferecido para bancar o enterro e determinou que Sandra tirasse o resto da semana de folga. Na despedida, Sandra agradeceu por toda compaixão mais uma vez, beijou o filho de seus patrões na testa e voltou para sua família.

Desde então André nunca mais pensara nem ouvira falar no nome daquele homem. Até o dia em que voltou a Guapimirim, depois de todos os anos passados, para ver, desta vez de perto, ser sepultada ao lado da cova de seu falecido esposo, sua babá Sandra. Toda de branco como ele sempre a conhecera em sua casa, Sandra tinha uma expressão de eterna serenidade que André nunca antes havia visto em sua face. A mulher que trabalhara desde os treze anos de idade para sustentar, viúva, os sete filhos, havia finalmente entrado em um repouso impassível. A obra de sua vida, toda sua família, parentes e amigos, estavam presentes no velório. Seus 21 netos, suas comadres de décadas, todos os foliões da escola de samba que havia ajudado a fundar anos atrás, secretários da prefeitura da cidade para quem ela era como uma tia, dezenas mais que haviam cruzado caminhos com ela durante sua vida. Todos e André. O menino que ela havia criado para criar os seus. Seu filho branco. André faltou a aula na faculdade aquele dia e dirigiu ele mesmo até o local onde sua mãe de criação – como costumava chamá-la – seria enterrada. Veio sozinho dessa vez, sua mãe estava viajando e seu pai, ocupado. Este deu-lhe, no entanto, quinhentos reais para que o filho desse à família de Sandra, para ajudar com quaisquer despesas. Sandra, na verdade, já não trabalhava na casa da família há quase um ano, desde que havia ficado muito cansada para dar conta do serviço. Ela tinha a mesma idade que os patrões, mas o tempo sempre passara mais rápido para ela. Seu pai decidiu dispensá-la e desde então André não a via.

Sandra chegara à casa dos pais de André quando tinha 35 anos, ele ainda recém-nascido. Já havia passado duas décadas na casa dos outros, no trabalho doméstico. Cozinhava, limpava, lavava, passava e era babá. Não havia chegado à metade do ensino fundamental, mas era esperta, resoluta e aprendera a causar uma boa impressão. A mãe de André havia recebido uma recomendação de uma amiga para quem Sandra trabalhara – ela era honesta, trabalhadora, comportada e limpinha. Foi contratada depois de uma conversa no apartamento e na segunda seguinte foi trabalhar para um novo Seu e uma nova Dona. Os patrões eram bons para ela. Recebia um pouquinho mais que o piso salarial, além de ter plano de saúde e transporte pagos. Sandra fazia o trajeto da beira da região serrana até a zona oeste do Rio toda segunda. Saía de casa às 4 da manhã, sem acordar nenhum dos filhos, para pegar duas conduções e chegar a tempo de fazer o café. Alguma prima, tia ou amiga sempre olhava as crianças, mas naquela época suas meninas mais velhas há muito já trabalhavam, toda semana seguindo o mesmo destino da mãe. As do meio ajudavam a tomar conta dos irmãos, exercitando o futuro ofício. Sandra voltava a ver os filhos só na sexta-feira, quando chegava em casa quase à meia-noite, exausta e feliz. Nos dias de semana dormia no quartinho nos fundos da cozinha, ao lado da área, no serviço. Tinha uma cama boa, uma janela para o varal, uma televisão e um ar condicionado de parede. Os patrões eram bons para ela.

Sandra cozinhava e tomava conta de André. Logo que começou na casa se apaixonou pelo menino, com o cabelo virado em cachinhos e de olhinhos verdes. A patroa ficou em casa por alguns primeiros anos, parando de trabalhar, dando atenção ao primogênito sempre que Sandra não precisava. Dava-lhe de mamar, Sandra o fazia arrotar, dava-lhe banho, Sandra trocava-lhe as fraldas, e vice-versa. Ela assumia para Sandra fazer o almoço e arrumar as camas, e podia depois descansar da arduidade de ser mãe. Aprendeu os artifícios da incumbência com a babá, que já era experiente. Acabou acostumou-se à sua companhia, já que o marido voltava do trabalho só tarde da noite. Mal se preenchia a casa com a presença das duas mulheres e do menino, mas Sandra gostava da paz para trabalhar. A lavagem das roupas e a faxina eram uma outra moça que vinha todo dia que fazia, cargo que logo foi ocupado por uma das filhas de Sandra. O patrão aceitou seu pedido de trazer uma delas para o serviço quando a diarista pediu demissão e veio a mais velha ficar junto da mãe. A mãe de André ficou com receio das novas circunstâncias atrapalharem o funcionamento da casa, mãe e filha juntas tanto tempo talvez desse problema. Mas a garota puxava à mãe e tinha boa índole. Algum tempo depois, Sandra conseguiu também trazer um de seus filhos para cuidar do jardim. Seu patrão construiu um pequeno aposento nos fundos do quintal para os funcionários e a casa passou a ter duas famílias. Ele também emprestou dinheiro à Sandra para a construção de uma casa em Guapi, que ela pagou com um pequeno desconto de seu salário durante alguns anos depois. Não foi o único sonho que lhe realizaram. Ela conheceu também os Estados Unidos, quando André ainda era pequeno e a família viajou para a Disney, levando-a junto para ver o mundo, contanto que não tirasse os olhos do menino. O patrão era um homem taciturno, alto e sólido como um touro, porém generoso com ela. Sandra tinha enorme gratidão àquelas pessoas, passou a vida pedindo a eles a benção de Deus, e provavelmente morreu acreditando-se devedora.

Para o menino, Sandra era como uma mãe. Acostumado à babá desde que se entendia por gente, quando criança, André só conseguia dormir se Sandra deitasse ao pé de sua cama até que ele pegasse no sono. Sua mãe dava-lhe um beijo de boa noite, e Sandra ficava com o menino, contando-lhe suas velhas histórias no escuro, até que ele pegasse no sono. Aquela de que André mais gostava era a de Rosaflor e a Moura-Torta, que contava a história da mulher de pele escura e enrugada que diariamente tinha de buscar baldes e baldes de água para seus senhores, e que um belo dia fincava uma agulha na cabeça de uma linda moça que ria de sua feiura, transformando-a em uma pomba e tomando sua identidade em represália para casar-se com o príncipe prometido à bela. No fim, a moura era desmascarada, permitindo que a moça voltasse a ser linda como antes e vivesse para sempre junto de seu nobre marido. Apesar do final feliz, André sempre sentia pena da vilã, que sempre voltava a carregar baldes de água e ser maltratada por conta de sua feiura. Sua mãe não gostava que Sandra lhe contasse aquelas histórias sórdidas demais para uma criança, mas ele insistia todas as noites quando ela os deixava sozinhos e Sandra acatava. A babá vivia fazendo suas vontades. Assistia os mesmos desenhos animados incontáveis vezes, preparava-lhe todos os lanches prediletos, oferecia colo sempre que ele era castigado pelos pais. André cresceu encontrando tremendo conforto no ventre quente de sua babá, no grave som das melodias murmuradas que ela produzia com o fundo da garganta, no cheiro de preparo de comida que ele sentia em suas mãos e roupas. André gostava de passar os dedos pela sola do seu calcanhar, toda esbranquiçada e áspera com o gasto dos anos duros, suas graves linhas marrons nas palmas das mãos, seu grisalho cabelo tonhonhoim cortado curtinho. Gostava de ir com ela à feira para comprar frutas e verduras, vivia rodeando-a na cozinha sempre que ela estava preparando as refeições, gritava seu nome sempre que ralava um joelho pelo jardim. Sandra ia correndo, acudir seu menino, seu Dézinho. Dézinho de Sandra. Ela via o seu menino crescer e sempre lhe enchia de confiança. “Tá ficando homenzinho já, vai quebrar muito coração.” Ano a ano, ela ia ajudando a formar o seu caráter. “Onde já seu viu, moleque, bater nos coleguinhas?”, “Para de marra, André, pode comer tudo!”, “Deus que me perdoe, gente, olha o estado desse teu quarto! Você não tem vergonha na cara não, menino?”, “Larga mão de ser bagaceira, André!” Logo o menino cresceu barba, começou a se aventurar no amor, e passou para a faculdade. E Sandra sempre lá, vendo seu menino virar homem, sempre esperando-o voltar para casa. André levava-a a todos os ritos de passagem, às formaturas, cerimônias e aniversários. Sandra se arrumava toda, botava sua roupa de sair e ia orgulhosa. Ele dizia que daria os próprios filhos para ela tomar conta, em voto de confiança e carinho, e ela sorria e brincava que já estaria velha de mais, que estaria aposentada. Mal passava pela cabeça de André que ela poderia largar a família. Ele despercebidamente imaginava que ela moraria ali até seus últimos dias. Até que a viu partir por justa causa. Ficou furioso com os pais, que explicaram que não fazia mais sentido mantê-la, já que ela não conseguia mais fazer o trabalho. André achou de uma insensibilidade tamanha demitir a mulher que o havia criado, mas ele sabia que antes de tudo ela era uma empregada. Apenas para ele é que ela era uma protetora, um ninho amparador, um seio de afeto. Prometeu visitá-la, com o coração apertado, porém desde então nunca tivera tempo.

Sentado sozinho agora no banco da igrejinha de Guapimirim, agonizava em remorso. A maioria das pessoas já estava presentes quando ele chegou, de forma que foi direto sentar-se em um dos assentos do fundo. No espaço lotado de gente, André reconheceu os filhos de Sandra. Cumprimentou de longe os dois que ainda trabalhavam na casa de seus pais e acenou discretamente com a cabeça aos outros que mal conhecia. Todos retribuíram com um sinal sóbrio em reconhecimento de sua presença. Sete adultos formados, com suas próprias crias em volta, todos velando a mãe que dividiam com André. A cerimônia durou pouco mais de uma hora e foi seguida do enterro no cemitério, logo ao lado da capela. André sentia-se incoerente àquela cena, o ataúde sendo levado pelos filhos de Sandra até o seu jazigo sob a garoa fina que coincidentemente caía naquele final de tarde. Não conhecia ninguém ali, porém era provavelmente a pessoa com quem a falecida mais havia convivido. Ele não discursou, não viu o corpo de Sandra e não conseguiu chorar. Depositou apenas as flores que trazia consigo sobre o caixão antes de o cobrirem com terra. As pessoas começaram então a dispersar-se, e André sentiu um certo alívio pelo fato da ocasião fúnebre estar chegando ao fim. Nada ali o fazia recordar do espírito de sua babá, tudo era estranho ao seu conhecimento de Sandra. Nunca a ouvira falar sobre sua vida pessoal, contar histórias de seus amigos, detalhes sobre seus filhos. Nunca fora além do limite da existência de sua mãe de criação dentro do qual ele também se encontrava. Estar na presença de todas aquelas pessoas tão estranhas a ele, porém tão queridas à Sandra, o deixava extremamente inquieto por fazê-lo perceber que ele não a conhecia por completo, apenas a parte de sua pessoa que lhe dizia respeito. Novamente o remorso. Ele queria ir embora o quanto antes possível para não prolongar aquele sentimento, que agora, mais do que nunca, parecia irremediável. Iria até os filhos de Sandra despedir-se e volataria logo depois para o Rio, de onde, havia decidido agora, não devia ter saído. Uma cerimônia própria, privada e simbólica, em memória da alma luminosa de sua babá, teria sido o suficiente. Tarde demais. Pois diria adeus aos filhos de Sandra e, com eles, à memória dela. E pronto. Começou a dirigir-se à família quando, botando a mão no bolso das calças, sentiu o pequeno envelope com os quinhentos reais que o pai havia lhe dado para que entregasse ao filho mais velho da babá. Um calor constrangido lhe subiu subitamente pela espinha. Os filhos de Sandra já o haviam percebido indo na direção deles e já se preparavam para o que poderia ser uma incomoda, porém necessária formalidade. André não podia mais voltar, seria estranho demais. Não sabia o que seria pior, ter de entregar o dinheiro comiserado ao filho cuja mãe defunta ele havia reivindicado para si, ou dar meia volta e partir para nunca mais dizer nenhuma palavra a nenhum deles. Mas não poderia fazer isso, os dois que ainda trabalhavam em sua casa estavam também ali e isso causaria um desconforto ainda maior quando ele os encontrasse na segunda-feira – o pai de André os havia dado o resto da semana de folga, ele era bom para eles. Escolheu, pois, a única opção. A ajuda, de qualquer forma, haveria de ser bem vinda, a família ficaria grata pelo auxílio com os custos do dia. Eles sabiam que o pai de André era generoso, tinham agora uma casa de herança por conta dele. André finalmente chegou junto ao grupo, abraçou os filhos de Sandra que conhecia há anos, seguidos, um a um, dos que praticamente via ali pela primeira vez. André se sentia como se seu coração houvesse trocado de lugar com sua consciência, que agora quase explodia em vontade de reconciliar o que não poderia nem sequer ser expressado. Abraçou cada uma das outras quatro filhas de Sandra, simplesmente dizendo que sentia muito. Foi, talvez, o mais honesto que poderia ter sido. Quando parou diante de seu filho mais velho apertou-lhe firmemente a mão e repetiu seus pêsames. Marlon era um homem altíssimo e macérrimo, com a barba por fazer e os olhos em um fundo negrume úmido. Ele agradeceu a presença de André que, puxando-lhe de lado, estendeu as condolências de seus pais à família de Sandra. Nesse momento, já arrependido, André puxou o envelope do bolso e o entregou a Marlon, sem dizer uma palavra, apenas oferecendo os seus pesares monetários. Marlon mirou o envelope e voltou o olhar para os olhos de André. Os dois filhos de Sandra prenderam um ao outro em um olhar onde tudo parecia estar explícito. Um olhar onde toda sua culpa e aquiescência cegava-os. Um olhar de injustiça e necessidade. De omissão e submissão. Marlon buscou o envelope que André suspendia no ar e botou-lhe no bolso. “Obrigado”, disse no mesmo grave tom gutural em que sua mãe murmurava canções. André soltou a respiração, disse que voltaria em breve para visitar o túmulo de Sandra e partiu, caindo em um choro desesperado quando entrou em seu carro. Nunca teve tempo de voltar.

-2016

Na presença de Marina

Atravesso o Hyde Park pelos seus caminhos de areia com as mãos enterradas nos bolsos. É verão em Londres, mas faz frio às 8 da manhã desse sábado. Caminho a passos largos, não quero me atrasar. Já deve haver uma fila na porta da Serpentine a essa hora, portanto não deixo que a cantoria dos pássaros que agora acordam prenda a minha atenção. Os imensos carvalhos vitorianos por todos os lados me confundem o caminho e demoro mais do que havia planejado. De qualquer maneira, às 9 da manhã em ponto estou na entrada lateral da galeria. Para minha surpresa, sou um dos primeiros. Depois de um “good morning” cordial, apoio-me em uma das barricadas dispostas ao redor do prédio e espero pelo momento em que a exposição Marina Abramovic: 512 Hours abrirá suas portas.

Eu conheci o trabalho de Marina pelo documentário Marina Abramovic: The Artist is Present (Akers & Dupre, 2012), que seguia a preparação e execução da última grande obra da artista, de mesmo título. Foi a primeira vez que ouvi falar em seu nome, mas na época Marina já era há tempos considerada a “avó da arte performativa”, estilo em que, dentre outras definições, o artista usa seu próprio corpo como objeto. Talvez minha ignorância se desse justamente pela característica de sua obra que Marina mais critica: a categorização de sua forma como alternativa. O seu status marginalizado havia me privado do conhecimento do trabalho da artista. Logo no começo do documentário percebe-se que o estigma havia acompanhado sua criação desde sua primeira performance em Edimburgo em 1973 (Rhythm 10, 1973), ainda então uma jovem recém-saída de seu natal Belgrado, até à mostra retrospectiva de toda sua carreira apresentada pela Meca da arte moderna, o MoMA (The Artist is Present, 2010). Marina regozijava o fato de ser finalmente “levada a sério” após 40 anos sendo considerada uma insana digna de um manicômio. Mesmo assim, era difícil deixar de perceber a perplexidade do público face aos vídeos que mostravam as performances passadas da artista, ou ainda frente aos outros artistas participantes da mostra que reencenavam as cinco maiores obras de Marina pelos andares do museu, grande parte delas feita em parceria com Ulay, o artista alemão com quem manteve um relacionamento tão dramático quanto suas performances juntos. A exposição passava pelos vários momentos de Abramovic nos passados 40 anos: desde sua predileção por desafiar seus próprios limites físicos e mentais, quando chegou a gravar uma estrela no abdômen usando uma gilete, até seu maior foco em interagir com o público, como na exposição no MoMA, em que artista sentou por dois meses e meio durante os horários de abertura do museu em uma cadeira frente a qual os visitantes, um por um, podiam sentar-se e, pelo tempo que quisessem, ficar na presença de Marina. Comum a todas essas diferentes explorações das possibilidades do corpo e da mente, Abramovic sempre tentou desbravar a relação entre artista e público. O preço pago durante toda sua carreira foi ouvir sempre a mesma pergunta: por que isso é arte?

Alguns instantes, somos quarenta e tantos, e eis que pela porta de vidro da galeria posso ver Marina. Instantaneamente, ela se torna real. De blusa branca e trança presa, ela passa um pouco de perfume atrás de cada orelha, vai em direção à entrada, abre as portas e nos dá as boas-vindas. Um a um, apertamos sua mão. As delas são grandes e ásperas, como espera-se que sejam as de um artista. Os olhos de Marina são intoxicantes e sinto que a conheço. Num indefectível sotaque sérvio, me dá bom dia em sua voz acalentadora. Os recepcionistas pedem que guardemos todos os nossos pertences nos armários próximos à entrada, bolsas e mochilas, câmeras e celulares, até nossos relógios – a noção de tempo ali é proibida. Nos dão um fone de ouvido, daqueles usados por funcionários de aeroportos que trabalham na pista junto às turbinas estridentes dos aviões. Mergulhado em silêncio, sigo adentro da Serpentine. A galeria tem uma sala principal, na qual diversas cadeiras estão dispostas na forma de um quadrado, dentro do qual há um pequeno tablado onde 8 ou 10 artistas meditam em um círculo, todos de preto e olhos fechados. As duas salas adjacentes estão vazias. Logo, os visitantes começam a se sentar nas cadeiras disponíveis, assumindo o papel da plateia. Eu prefiro ficar de pé, no fundo da sala. Marina também está conosco, aqui e agora, mas não faz nada além de observar os outros a observando. A luz da manhã entra por imensas janelas e todo o interior do prédio é coberto por um branco desnorteante. Não há nenhum quadro, nenhum objeto, nenhuma arte. Só eu, eles e Marina. Os olhares hesitantes dos outros visitantes me confirmam: não sou apenas eu que não sei o que está acontecendo. No entanto, ninguém aparenta estar intimidado. Pela falta de qualquer ação, parece que tudo pode acontecer. É então que vejo Marina caminhando em minha direção. Mal consigo conter a histeria do meu coração quando ela me oferece um grande sorriso e as palmas de suas mãos como quem diz “vem comigo?”

A dificuldade de grande parte do público em ver o trabalho de Abramovic como arte não é um desafio exclusivo das artes de performance. Muitos dos precursores da arte moderna sempre tiveram a validade de suas obras questionadas pelo nosso senso crítico. “Até eu poderia ter feito isso!”, clamam centenas todos os dias pelos museus e galerias do mundo em desafio ao cubismo desajeitado de Picasso, ás formas abstratas de Kandinsky, ao surrealismo confuso de Miró. Ainda mais ferrenhas são as críticas àqueles que parecem até estar tirando um grande sarro conosco, como Duchamp e seu mictório, Pollock e suas telas explosivas, ou Warhol e sua sopa de tomate. Indagamo-nos a respeito do motivo daquelas obras serem consideradas primas, de estares sendo expostas em tão respeitadas instituições, de serem consideradas imperdíveis por todos os guias que usamos para planejar nossas viagens. Sentimos que a simplificação foi levada ao extremo e nos frustramos com a aparente falta de técnica e esforço dos artistas, cujos quadros, esculturas e instalações pagamos para conhecer e cujo mérito, se não identificado por nós mesmos, nos faz sentir como analfabetos artísticos. Eu também fiquei perplexo assistindo a vídeos de Marina e Ulay dando tapas na cara um do outro. No entanto, ao invés de descartar aquela cena como lixo, me dei a chance de pensar por um momento em qual seria a mensagem ali transmitida. Se há de se haver algo querendo ser expressado em todas essas obras, não devemos a nós mesmos a oportunidade de analisá-las? Os grandes movimentos artísticos ocorridos desde o final do século XIX têm em comum o ânimo para desafiar o status quo e sua incapacidade de responder às nossas necessidades expressivas. Por terem quebrado tradições confortáveis, muitos desses artistas tiveram seu trabalho depreciado por seus contemporâneos.  O Impressionismo de Manet e seus refusés não tinham espaço na Academia Real de Pintura e Escultura francesa; Gauguin, van Gogh e Cézanne foram todos vistos como excêntricos perturbadores da ordem que não chegariam a lugar algum; Matisse teve suas cores contrastantes ridicularizadas pelos críticos como fauves, bestas selvagens cujo habitat não podia ser o Salon d’Automne. Sua arte era hostil e suas inovações incompreensíveis, mas elas satisfaziam um desejo incontrolável de se libertar da representação fiel do objeto e de ter a chance de expressar sentimentos confusos e misteriosos além do óbvio e tacanho. Da mesma forma, o contemporâneo continua lavrando essa multiplicidade artística que cultiva as mais diferentes interpretações da experiência humana. O mérito do moderno e do contemporâneo está justamente em suas possibilidades, e o de Marina, em explorá-las. É provável que ao invés de, intimidados pelo incomum, a taxarmos como selvagem, seja mais enriquecedor tentar entender seu trabalho como a exploração das questões que o definem.

Mãos dadas, Marina me leva a uma das salas laterais da galeria e faz um sinal para que eu tire os meus fones de ouvido, o que ela já fez. “Tudo bem?”, me pergunta. Digo que sim com a cabeça e ela segue falando em um sussurro quase secreto: “sua tarefa de hoje será andar em slow motion. Quero que você atravesse essa sala andando o mais devagar possível, por sete vezes. A repetição é importante, pois nas primeiras vezes seu corpo estará devagar, mas sua mente continuará como uma Ferrari. Quero que seus pensamentos se movam na velocidade de seu corpo. Vamos, a primeira travessia faremos juntos.” Recolocamos nossos fones, ela pega-me novamente pela mão e juntos atravessamos a comprida sala em passinhos. A cada um deles, eu sinto o peso do meu corpo sustentado por meus pés. Sinto a minha pressa ser calada pelo controle de Marina, que me segura quando estou rápido demais. Toda minha atenção está em controlar meus passos, deixo de lembrar que Marina Abramovic está ao meu lado, segurando minha mão. Toda sua celebridade não tem espaço nesse momento, somos só eu e ela. Marina logo me deixa para que eu continue sozinho e a lentidão dos meus movimentos entorpecem a minha consciência. Sinto-me em um transe e chego até a duvidar de que conseguirei parar após o fim da tarefa. Consigo, e levantando a cabeça me deparo com outras dezenas de pessoas imersas em suas atenções.

Marina sempre defendeu a ideia de que a essência da performance é o estado de espírito do performer. Para que o artista seja física e mentalmente capaz de ficar horas sem se mover sentado em uma cadeira, por exemplo, é essencial que ele entre em um outro plano de sua consciência, um estado meditativo em que tédio, dor e desejo homogeneízem-se em ruído de fundo. Marina entende os benefícios que essa desaceleração da mente pode trazer àqueles que a praticam e tenta dividi-los com seu público. Na verdade, todo seu radicalismo reduz-se simplesmente a questões metafísicas que permeiam a nossa existência. Por que é que damos mais valor à arte que consideramos bela? Por que nos sentimos tão incomodado em ver seres humanos comportando-se como selvagens? Por que é que nos incomoda tanto ficar sem fazer nada? A reputação de Marina traz quase um milhão de pessoas ao MoMa e, estando em sua presença, vemos a estranheza perante o incompreensível transformar-se em experimentação ontológica. O documentário sobre a exposição de Marina em Nova York mostra muitos dos visitantes chegando às lágrimas durante o seu tempo com a artista. O sentimento, ela explica, vem do fato de que, a partir de certo ponto, a performance não se trata mais de Marina, mas sim da pessoa que está à sua frente. Despindo-nos de quaisquer elementos que nos são familiar, como o tempo, Marina torna-se um espelho de nós mesmos, cujo reflexo não estamos acostumados a ver. A renúncia das qualidades supérfluas que nos definem como homens e mulheres de nossa época cria um vácuo no qual tornamo-nos seres elementares, presentes de corpo e alma. É nessa ausência criada por Marina que encontramos a sua, e logo a nossa, presença. A experiência é efêmera, porém preciosa, pois nos usando como objetos nos revela uma fração da natureza humana. E como questionaria Klaus Biesenbach, curador do MoMA durante a exposição de Marina, o que é a arte além disso?

Sigo para a última sala, onde os visitantes participam de uma outra atividade. Na entrada, um ajudante me entrega uma venda e me ajuda a amarrá-la sobre meus olhos. Entro em uma total escuridão de sentidos. Caminho quase tão devagar quanto à maneira de Marina, braços estendidos tateando o breu. O espaço agora é imenso, a ausência não tem limites. Perdido no nada, sinto cada vez mais evidentes os confins do meu corpo, as fronteiras do meu ser. Torno-me fortaleza, existo sozinho e seguro. De repente, pele. O toque é elétrico e excita a curiosidade. As mãos logo se procuram e os dedos se entrelaçam. O afeto é anônimo, mas comum e palpável. Presenciamos um ao outro. Detenho-me naquele novo universo por muito tempo até que decido voltar a ser quem penso que sou. A caminho da saída ainda enxergo Marina entre muitos outros em pé no tablado, agora todos dispersos, no que parece uma profunda autocontemplação. Deixo os meus fones de ouvido na recepção, pego minha mochila e saio pela porta por onde entrei. A respeitável natureza inglesa rebenta em verde nos meus olhos e eu já escuto o barulho dos carros em Knightsbridge.

-2016

C. de Ana

Ana C. é, até mesmo em seu nome, uma figura enigmática. A letra inicial do nome do meio, abreviada logo ao lado do prenome que divide com tantas outras, a destacava sem muito relevar de sua identidade. Era o C de seu Cristina, de seu Cruz ou de seu Cesar que Ana gostava de trazer junto à assinatura de seus poemas? Não fui capaz de achar resposta. Nem um nem outro eram segredo, Ana não vivia no anonimato, mas ainda assim a poeta preferia guardar para si mesma a intimidade completa de um segundo nome, mantendo-se parcialmente junta à todas as outras Anas, como em uma chamada escolar onde viria, depois de Ana B. e antes de Ana D., levantar a mão despercebidamente. Tanto de si mesma Ana mostrava em sua poesia, era como se quisesse também se esconder do mundo na medida do possível. É essa vontade contra-intuitiva de ocultar-se e revelar-se que vejo nas fotografias em que ela pousava com seus grandes óculos escuros, no seu semblante meditativo, no olhar provocador. É o que leio em seus versos inacessíveis, em sua sintaxe desconexa, em sua poética melancólica. É também o que sinto em visita à exposição sobre a autora na Caixa Cultural, intitulada À Mercê do Impossível. A mostra, que trouxe ao público grande parte do acervo de Ana, preservado hoje pelo Instituto Moreira Salles, teve refletida em sua montagem essa imagem misteriosa da escritora. O ambiente todo penumbrado, as relíquias de sua vida privada fora de seu contexto, seus versos escorridos por cumpridas lonas sombreadas que desciam do teto. Ana C. estava exposta, porém ainda, de certa forma, desconhecida. A presença de seus objetos pessoas indicavam que essa aura impenetrável, distinta em sua obra, caracterizava também sua vida privada. Nos depoimentos dos amigos e conhecidos, Ana é sempre descrita da mesma forma: uma mulher excepcionalmente bela, notadamente inteligente, tímida. Falam repetidamente de suas múltiplas personalidades – melhor ainda, das diversas personagens que incorporava ao próprio gosto, as diferentes peles “de menininha, de fatal, de senhora, de tímida, de distinta, de cafajeste”[i] que Ana vestia conforme o estado de seu humor ao ponto de, talvez, nem ela mesma saber qual aquela que melhor lhe caía:

Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?[ii]

Há, no entanto, elementos da memória de Ana que refutam sua fama de enigmática, apresentando-nos a autora como alguém a quem tal clichê não faz jus. Ana fora também estudante de letras da PUC-Rio nos anos 70 e, portanto, contemporânea daqueles que integravam a chamada “Geração Mimeógrafo”. O equipamento copiador pré-xerox era a imagem representante do estilo daqueles que tentavam aproximar a poesia dos leitores, “democratizando” a escrita por meio da distribuição em massa de seus textos pelas ruas da cidade.  O uso da linguagem coloquial e o tratamento dos assuntos da cotidianidade, empregados em uma estética incomum na época, rendeu a esses jovens a alcunha de “marginais”, escritores à margem da corrente principal da literatura. Escreviam em uma época conturbada, em plena ditadura militar, sob a repressão da censura, e talvez por isso mesmo insistiam em revelar a beleza escondida no dia-a-dia, as preciosidades efêmeras do momento presente. Ana C. era desses, de dissecar suas aflições diárias em recortes da sua experiência existencial. Mesmo assim, parecia se destacar de seus pares, firmando-se em um outro lugar. Ana C. era ou não marginal? Amiga e organizadora da ontologia 26 Poetas Hoje, que reunia pela primeira vez, em 1975, os escritos daqueles autores, Heloisa Buarque de Hollanda confirma que também neste sentido Ana mantinha-se ambígua: pertencia àquela geração de escritores, nutria relações afetivas com eles, fazia parte da turma e, ainda assim, suas palavras destoavam das do grupo. A literatura da geração dos anos 70 identificava-se com o movimento da contracultura, buscava abrir novos caminhos, experimentar fazer-se descartável, improvisada, e, como colocaria um de seus maiores expoentes, Chacal, estava interessada em “fazer um pacto com a revolução, e não um diálogo com a tradição.”[iii] Por outro lado, a poesia de Ana Cristina era, em suas próprias palavras, “muito construída, muito penosa”, meticulosamente planejada e frequentemente reescrita, indicando uma maior preocupação estética, uma escrita mais literária, um flerte com a tradição, justamente o que os marginais rejeitavam.

Esse entre-lugar habitado pela poeta confirma sua singularidade. A escrita de Ana possuía muitas das características pertencentes também a seus conterrâneos, mas sua formação havia sido diferente. Mostrara o interesse pela escrita desde a mais tenra idade; fora, ainda adolescente, fazer intercâmbio na Inglaterra, de onde retornou leitora de escritoras como Sylvia Plath, Emily Dickinson e Katherine Mansfield; formou-se em letras e fez mestrado em comunicação; retornou à Grã-Bretanha para a pós-graduação em teoria e prática de tradução literária na Universidade de Essex; trabalhou como tradutora, jornalista, crítica literária. Ana estabelecera um diálogo com uma outra tradição, outros textos, outra cultura. Pensar as peculiaridades da sua escrita é entender essa mistura única de influências às quais a escritora foi exposta. Aqui é válido resgatar o conceito de intertextualidade tanto explorado por Bakhtin, Kristeva e Genette. O que esses pensadores se dedicaram a pesquisar foi justamente a troca existente entre os diversos interlocutores selecionados por cada leitor, aqueles autores com os quais escolhemos entrar em diálogo, cujas escrituras edificam a nossa própria escrita. O discurso, defende Kristeva, não é nada mais que uma “bricolagem” de retalhos entre o texto do mesmo e os textos dos outros, além do texto social e histórico (portanto nosso contexto cultural). A própria imagem usada por Genette para intitular seu principal trabalho, Palimpsestes, é a do Palimpsesto, esse papiro cujo texto é apagado para que ele possa ser reutilizado, mas que fica marcado pelas inscrições que foram algum dia ali gravadas. É ali, em meio à incorporação de um elemento discursivo ao outro, que se dá, como posto por Leminski, essa “telepatia com todo um passado” que é a literatura.

Ana C., por esse ponto de vista, construiu uma subjetividade que resulta em uma estética literária muito particular. A autora vem sendo cada vez mais discutida – sua exposição na Caixa Cultural foi a primeira no país a ser inteiramente dedicada a ela, e sua obra foi o foco da edição de 2016 da FLIP. Todos os seus escritos foram compilados pela Companhia da Letras no livro Poética e ela ganha cada vez mais uma posição de destaque nas livrarias brasileiras. “À luz de spots”[iv], Ana vem cada vez mais sendo descoberta, mesmo que se mantenha sempre misteriosa.

-2016

Referências:

 ALÓS, A. Texto literário, texto cultural, intertextualidade. Revista Virtual de Estudos da Linguagem–ReVEL. Vol. 4, n. 6, mar. 2016

Ana Cristina Cesar. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/YpNN0Y>. Acesso em 30 mai. 2017.

LEMINSKI, P. Ensaios e anseios crípticos. Curitiba: Pólo Editorial do Paraná, 1997.

MORICONI, I. Um passeio pelo baú de Ana Cristina Cesar, a poeta homenageada da Flip. Folha de São Paulo, São Paulo, jun. 2016. Disponível em <https://goo.gl/KsDRiT>. Acesso em 30 mai. 2017.

SIMÕES, L. Bruta Aventura em Versos. [Filme-vídeo]. Produção de Matizar Filmes, direção de Letícia Simões. 2011. 76min. color. son.

Notas

[i] Trecho da entrevista com Heloisa Buarque de Hollanda, do documentário Bruta Aventura em Versos (2011)
[ii] Trecho do poema “Soneto”, de Ana C.
[iii] Trecho da entrevista com Ricardo Chacal, do documentário Bruta Aventura em Versos (2011)
[iv] Trecho do poema “Samba-canção”, de Ana C.