É na tempestade que a natureza vê a oportunidade de mostrar toda a sua magnitude, seu poder. A incontestável beleza já tem ela afirmada todos os dias, ainda mais pelos cariocas. Tão freqüente são os episódios de deslumbre dos cidadãos do Rio, que tal beleza já chega ao ponto de ser chamada de banal e de não ser mais notada como deveria. Mas a tempestade é diferente. Por ser rara (falo das grandes, como a de hoje) chama sempre a atenção e gera, pelo menos em mim, os mais diversos sentimentos – fascinação, medo, liberdade, opressão. E paralela a tudo isso está sempre a presente epifania de que, na verdade, não somos nada em comparação com as forças naturais do planeta; de que essas poderiam, se quisessem, nos criar danos exacerbadamente maiores do que aqueles que causamos. Entendo todos esses trovões que assombram hoje a cidade maravilhosa como um ensurdecedor “cala boca” à arrogância e à prepotência já crescentes do homem. É, de fato, como uma relação entre um filho mimado e uma mãe carinhosa, que agrada mas que repreende quando necessário. E é, já, necessário.
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Cigana sorrindo
Da cor dos dentes cuja boca traga a fumaça
Brilha a Lua
Sorriso amarelo que prende e seduz
Sorriso cigano, oblíquo e dissimulado
Numa circunferência perfeita
Ilumina mais uma noite morna de um junho carioca
Aquece mais uma noite de falso inverno
E abrem-se e fecham-se as cortinas das núvens
Plúmbeas e densas
Ofuscando e revelando Sua luz branca
Aquela que engana
Sombreia de leve
De leve encanta
-2010
A agonia do hoje
O dia da agonia é todo o dia. É hoje. Foi o hoje anterior. E o hoje antes desse. E o seguinte. E o passado. E desses hojes não saímos. Nunca. Pois pelo ontem nunca passamos, e no amanhã nunca chegaremos. É só hoje. Sempre. Agonia desse hoje que não acaba. Desse hoje em que nascemos, em que vivemos, em que morreremos. E o tão sonhado amanhã, nunca. O amanhã em que as coisas não mais serão as mesmas, nunca. O amanhã que não é hoje, nunca.
Sempre, sempre hoje.
E a agonia do ontem com o qual nos iludimos por ter vivido em outro dia. Conversa apenas. Quando foi, foi hoje também.
Sempre, sempre hoje.
-2010