estro

Onde foi parar minha produção?

Produzia a mim
Produzia a ti
Produzia a ele
Produzia a nós
Produzia a voz

Onde foi calar minha voz,
Produzida a eles?

Minha obra se perdeu no atropelo de labuta meã.
Minha obra se venceu do cólera de poesia terçã.

-2012

Borboleta

Amizade nasceu do casulo do amor,
Da afronta da dor, da esperança do abril,
De botar nas palavras a paixão tão febril,
Que por si mesma sente.

Entende-se inteira,
Não acha ligeira,
A própria existência.

Não colhe ilusão,
Joga ao coração,
Angústia alheia.

Encara o desgosto,
Traz firme no rosto,
Magoada coragem.

E carrega gentil, em constância viril,
A riqueza do afeto, do carinho direto,
Escondidos em cada lagarta.

-2012

Cigana sorrindo

Da cor dos dentes cuja boca traga a fumaça
Brilha a Lua
Sorriso amarelo que prende e seduz
Sorriso cigano, oblíquo e dissimulado
Numa circunferência perfeita
Ilumina mais uma noite morna de um junho carioca
Aquece mais uma noite de falso inverno
E abrem-se e fecham-se as cortinas das núvens
Plúmbeas e densas
Ofuscando e revelando Sua luz branca
Aquela que engana
Sombreia de leve

De leve encanta

-2010

A agonia do hoje

O dia da agonia é todo o dia. É hoje. Foi o hoje anterior. E o hoje antes desse. E o seguinte. E o passado. E desses hojes não saímos. Nunca. Pois pelo ontem nunca passamos, e no amanhã nunca chegaremos. É só hoje. Sempre. Agonia desse hoje que não acaba. Desse hoje em que nascemos, em que vivemos, em que morreremos. E o tão sonhado amanhã, nunca. O amanhã em que as coisas não mais serão as mesmas, nunca. O amanhã que não é hoje, nunca.

Sempre, sempre hoje.
E a agonia do ontem com o qual nos iludimos por ter vivido em outro dia. Conversa apenas. Quando foi, foi hoje também.
Sempre, sempre hoje.

-2010